Textos da Internet
26.5.06
Isabel Coutinho
Ray-Güde Mertin é a agente literária de José Saramago, Lídia Jorge, Agustina Bessa-Luís, Dulce Maria Cardoso, Francisco José Viegas, Gonçalo M. Tavares, Mário de Carvalho, Miguel Sousa Tavares, Pedro Rosa Mendes, Mia Couto, Pepetela, José Eduardo Agualusa, Richard Zimler, entre muitos outros. Doutorada em Filologia Românica pela Universidade de Colónia e tradutora de literatura brasileira e portuguesa, traduziu António Lobo Antunes, Clarice Lispector, Raduan Nassar, João Ubaldo Ribeiro, José Saramago. Desde 1982 que faz agenciamento de livros de autores lusófonos e hispano-americanos e criou a Agência Literária Ray-Güde Mertin, que representa autores do Brasil, Portugal, Timor-Leste, África, América Latina e Espanha.
A entrega do Prémio Nobel de Literatura ao escritor José Saramago, em 1998, veio reafirmar a sua opção por estas literaturas. Em 2005, foi eleita ""Woman in publishing" do ano" pela organização alemã Bücherfrauen. Estará na Feira Internacional do Livro de Turim na próxima semana, cuja edição é subordinada ao tema "A Viagem" e terá como países convidados Portugal e o Brasil. "A Itália está a querer publicar autores portugueses. Mais autores portugueses do que brasileiros. Na Europa Central, neste momento, a Itália é o país que mais traduz literatura portuguesa", explicou Ray-Güde Mertin ao PÚBLICO, numa entrevista feita em Lisboa.
P. - Miguel Sousa Tavares é um dos convidados da Feira do Livro de Turim por causa de "Equador", publicado em Itália pela Cavallo di Ferro e vencedor do Grinzane Cavour (o prémio italiano mais importante atribuído a uma obra estrangeira). A sua agência negociou os direitos de tradução do romance para França (Seuil), Brasil (Nova Fronteira), Alemanha (C. Bertelsmann), Espanha (Salamandra em espanhol, La Campana em catalão), República Checa, Grécia, Holanda, Sérvia e Montenegro, Itália...
R.- E também para língua inglesa. Foi demorada a negociação desse contrato, mas está assinado com a Bloomsbury, a editora britânica da série Harry Potter que possui os direitos mundiais para língua inglesa e vai também distribuir o livro nos Estados Unidos. Têm dois anos para o publicar. Deverá sair no segundo semestre de 2007. É uma pena porque eu queria que saísse antes.
P.- Foi mais difícil essa negociação para a língua inglesa?
R.- São condições e contratos mais complicados. Os contratos com os americanos são geralmente maiores do que um contrato normal nosso. Posso fazer contratos com o mundo inteiro que têm quatro páginas. Os contratos com os americanos têm entre 12 a 36 páginas, é uma legislação diferente, existe uma série de cláusulas e condições que eles exigem e que nós não queremos aceitar.
P.- Poucos são os escritores portugueses que conseguem chegar ao mercado editorial norte-americano. O romance "Vale da Paixão", de Lídia Jorge, que também representa, é um desses casos.
R.- Quando consegui interessar a editora americana e também a inglesa por esse livro foi um triunfo. Como se tivesse feito dez contratos na Europa! Um único contrato nos Estados Unidos vale por dez contratos na Europa. Os americanos traduzem muito pouco. O português, ridiculamente, faz parte das línguas menos traduzidas. A probabilidade de se ter uma tradução do francês ou do italiano é muito maior do que ter uma tradução a partir do português. Se se conseguir uma tradução de um autor brasileiro ou português para uma editora americana, é uma vitória suprema. E Lídia teve resenhas muito boas: uma das quais dizia que há três grandes prosadores actuais na literatura portuguesa: José Saramago, António Lobo Antunes e Lídia Jorge.
P.- Há uma explicação para isso?
R.- A explicação é muito simples. A situação é bastante parecida nos países da Escandinávia, na Alemanha, na França e na Itália, em que a percentagem dos livros que são traduzidos a partir da língua inglesa é muito alta. Está entre os 65 e 70 por cento. De tudo o que nós traduzimos, a língua inglesa tem o absoluto predomínio, o resto é um pouco de francês, o italiano, o chinês, outras línguas. Se olharmos para os Estados Unidos, 50 por cento de tudo o que é escrito em língua inglesa é traduzido para outros países. Metade do que eles fazem sai em outras línguas no mundo inteiro.
Mas de tudo o que é publicado em todos os idiomas do mundo no estrangeiro só 6 por cento é que é traduzido para inglês. E é mais ao menos 3 por cento de traduções nos Estados Unidos e outros 3 por cento na Grã-Bretanha. O "Vale da Paixão" entra nesses três por cento. Não é que seja má literatura, o problema é que o mercado americano é praticamente auto-suficiente, olha muito pouco para o que se publica em outras literaturas e traduz muito pouco.
P.- Mas então o que faz com que um livro "viaje"? O que precisa de ter ou em que circunstâncias é que consegue ser traduzido? No vosso catálogo, os livros de autores lusófonos "viajam" mais que os portugueses. As traduções de Mia Couto ou de Pepetela parece que mais facilmente entram nesses mercados.
R.- Em Janeiro último estive em Nova Iorque, falei com oito a dez editoras, entre elas algumas que fazem traduções, poucas mas fazem, fui preparada e escolhi bem as pessoas a contactar. Foi interessante porque, folheando o nosso catálogo, as editoras responsáveis interessavam-se só pelos lusófonos africanos, nem se interessavam pelos brasileiros nem pelos portugueses, era África que interessava. Não sei se há a esperança de encontrar alguma pequena dose de algo exótico, estranho, algo que não se supõe existir em Portugal.
P.- Mas há preconceitos?
R.- Se falamos do Brasil, ainda estamos muito próximo de preconceitos como samba, futebol e mulatinhas. Tudo isso continua. Nesse sentido, os livros do Jorge Amado têm marcado profundamente o que se espera da literatura brasileira e é um trabalho bastante importante e muito necessário mostrar que o Brasil não é só isso e que há mais "Brasis" e uma imagem muito mais complexa.
Em relação a Portugal, esse tipo de exotismo e de preconceitos não existem. Seria difícil encontrar ideias preconcebidas na mente do leitor. A única maneira de conquistar alguém com um livro de Portugal é conquistá-lo como leitor de uma boa obra literária. O livro tem de convencer por si só, o que aliás é o ideal, o que nós todos queremos. Que o livro possa viajar por ser um bom livro e não por ter uma origem geográfica determinada. Isto soa um pouco utópico porque muitos editores continuam ainda a pensar: "Não temos nada da Venezuela, peruano ou colombiano, vamos ver o que há", como se fosse uma questão de geografia a qualidade de uma obra literária.
P.- Considera que o apoio do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) à edição é fundamental para que se traduzam autores portugueses lá fora?
R.- Acho o trabalho que o IPLB tem feito fundamental. Deve continuar, é muito bem feito, muito bem organizado e muitas vezes quando falamos com uma editora estrangeira que está indecisa se pode ou não entrar no risco de calcular a edição de um autor português claro que ajuda muito porque explicamos às pessoas que podem fazer um requerimento ao IPLB. Isto conta sobretudo para as editoras pequenas e médias, que não têm tantos recursos e é bastante importante ter um apoio. Não estou a falar de casos de países como o Bangladesh, de onde nos telefonou um editor dizendo que queria publicar José Saramago, cinco livros de uma vez, tudo de graça. Expliquei-lhe que não, que tínhamos de fazer um contrato direitinho e tinham de pagar alguma coisa pelos direitos autorais. Era um homem com muito "charme", que me disse: "Bom, se vocês me põem tantas dificuldades, eu publico assim mesmo." Como é que íamos controlar o Bangladesh? Coisas assim. Mas em geral para uma editora checa, búlgara ou romena ou mesmo para uma editora pequena francesa ou italiana ou até para alemã esse apoio do IPLB é essencial porque incentiva as editoras. Como vivemos numa época de grande concentração editorial, é cada vez mais importante fazer com que as pequenas e médias editoras possam sobreviver e para elas é importante ter esse tipo de apoio.
P.- Percebe-se que o trabalho do agente literário não é fácil.
R.- Se temos um bom livro de Portugal e do Brasil e queremos convencer um editor a traduzi-lo, dizemos-lhe é excelente, é muito bem escrito, uma ideia muito original, e ainda assim ele vai perguntar mas porque é que tenho ainda que pagar os custos da tradução, porque é que vou traduzir este livro e ter um custo elevado para o lançar?
Também tem de se ter muito cuidado, não se pode aceitar logo à primeira oferta. É preciso ver onde e como se vai lançar um autor, em que catálogo vai sair.
O porquê e quando o livro viaja é uma questão muito complexa que discutimos a cada novo título que recebemos. Há livros que podem ter grande importância no próprio país, mas que contêm alusões locais e regionais que não são transportáveis. Outra questão é a linguagem.
Um autor como Luís Fernando Veríssimo, um "best-seller", durante muito tempo escreveu os livros numa linguagem absolutamente intraduzível. Quando começou a escrever romances, eu tentei novamente abrir-lhe as portas e conseguimos: agora está traduzido em vários países. Era uma questão de linguagem.
P.- Compreende-se.
R.- Há escritores urbanos no Brasil que escrevem contos escritos na gíria que se falava em São Paulo nos anos 70 e eu entendo porque morava lá, mas traduzir aquilo é impossível. Como é que se vai encontrar o equivalente, agora falo como tradutora também, à gíria de uma certa década? Depois passamos para os contos dos anos 80 e já é outra gíria, e por aí vai. E são autores profundamente importantes para o conto contemporâneo, excelentes, mas que não podem viajar por causa disso. Há excelentes contistas no mundo de língua portuguesa, mas fazer viajar contos é ainda mais difícil porque uma editora quer sempre começar pelo romance. A única maneira é, por exemplo, lançar uma antologia. Como a Nuova Frontiera, agora na Itália, está a juntar contos de autores que nasceram depois de 1970, não podem ter mais de 35 anos e juntaram textos do mundo lusófono, de África, Brasil e Portugal. Vamos ver. É uma ideia boa para lançar gente nova. Ou se lança uma antologia sobre um certo tema. O que funciona sempre são os eróticos. Mas pode ser algo de fronteiras, alguém que atravessa fronteiras, alguém que vive na "borderline" e há contos excelentes sobre isso. Uma antologia temática seria uma maneira de fazer circular nomes de bons autores que de outra maneira não teriam a chance de ser publicados.
P.- Porque é que Portugal não funciona como porta de entrada dos brasileiros na Europa (eles não precisam de nós?), como a Espanha funciona para a América Latina? Ou será que a Espanha já está a perder esse território?
R.- Durante muito tempo, para os autores latino-americanos, a Espanha foi o país onde eles podiam ser publicados. Era através da Espanha que conseguiam chegar à Europa e por isso continua ainda essa ideia de que a Espanha é a porta de entrada. E de facto é. Temos um autor muito jovem argentino publicado em Buenos Aires que foi muito falado na feira de Frankfurt, mas nunca foi publicado em Espanha e nem sequer na América Latina. Existe na Argentina e só, nem atravessa as fronteiras de lá. Para chegar à Europa, a única garantia é vir a ser publicado por uma casa editorial em Espanha. No caso dos brasileiros isso já não acontece porque o brasileiro, se chegava a ser conhecido na Europa, era através de uma edição francesa, italiana, curiosamente nunca era via Portugal. É a velha questão de porque é que é tão difícil o intercâmbio entre estes dois países.
P.- Dentro do Brasil, um autor de Porto Alegre pode também não ter êxito nos outros sítios.
R.- No Brasil, um autor para ter êxito tem de ser publicado ou em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Autores que durante muito tempo foram publicados em Porto Alegre passaram depois para São Paulo ou para o Rio (vários) e só aí começaram a ser mais lidos. É o clássico caso de Moacyr Scliar, Veríssimo. Um autor que vive em Salvador da Bahia já não vai publicar lá, vai directo tentar publicar no Rio de Janeiro ou em São Paulo e vice-versa. Quanto aos brasileiros publicados em Portugal, a resposta é sempre que é difícil lançá-los e fazer uma tiragem maior. Há também o problema da adaptação da linguagem. Quanto a adaptar o texto, uma coisa é a ortografia, outra coisa é fazer um "editing" do texto, não pode. Não se pode corrigir o estilo de um autor.
P.- O mesmo problema existe entre Espanha e a América Latina.
R.- Perguntei a escritores espanhóis se achavam estranho ler os hispano-americanos que nunca são adaptados. Em Espanha, não se adapta e a Rosa Montero disse-me que para ela havia sempre algo extra que vinha com o texto colombiano, que vinha com o texto mexicano e que toda a gente estava acostumada com isso. Era óbvio que havia palavras que eram as mesmas palavras mas que tinham um significado diferente. Mas lendo o livro as pessoas aprendiam e também havia gíria que ninguém entendia.
Se leio um livro como "A Cidade de Deus", julgo que mesmo quem mora ao lado ou perto daquela favela no Rio já não sabe o que aquele pessoal fala. Os próprios vizinhos já não entram naquele mundo. Há um certo estranhamento que o texto transporta, que o livro pode carregar e viajar assim mesmo. Acho uma coisa positiva porque faz pensar que aqui há um elemento que eu não sei bem detectar, não sei bem o que é que é, o leitor tropeça nisso. E porque não? Porque tem de se adaptar tudo, para nivelar tudo?
P.- No seu catálogo de autores tem várias gerações. São os autores que vão ter consigo, são as editoras que propõem, como é que eles chegam a ser representados por si?
R.- Depende. Pode ser a recomendação de um outro autor que me chama a atenção para um autor jovem, novo, que me diz que vale a pena ir ler. Muitas vezes funciona através das editoras que mandam livros. Vamos todos os anos às feiras mais importantes como Frankfurt, Londres, Paris, além de ir cada ano à Espanha, ao Brasil, e às feiras de Guadalajara no México e de Buenos Aires e, claro, vou sempre à Feira do Livro de Lisboa para ver o que há de novidades. Somos a única agência que se dedica tão especificamente à língua portuguesa. Há agências que trabalham com alguns autores de língua portuguesa como a Anne Marie Vallat em Madrid e a famosa agência de Carmen Balcells.
P.- Balcells, que representa alguns autores brasileiros e agora, recentemente, António Lobo Antunes.
R. - O primeiro contrato português que fiz foi com António Lobo Antunes e foi também a minha primeiríssima tradução de um autor português ("Os Cus de Judas" e "A Explicação dos Pássaros"). Eu era a co-agente de um colega americano e o António Lobo Antunes ficou com ele até agora, quando se mudou para a agência da Carmen Balcells, que tem também Clarice Lispector e Rubem Fonseca. Também existe uma tradicional agência inglesa que representa quatro ou cinco autores brasileiros, mas ninguém se ocupa especificamente disso. Temos discutido se devemos continuar assim ou não. Como economicamente não é muito interessante para os outros, não há muita concorrência.
P.- Mas vocês têm a sorte de ter no catálogo um prémio Nobel, que é o José Saramago.
R.- Mas esperei 16 anos para que ele surgisse, a agência já existia há muito tempo. Para mim, foi uma confirmação. Decidi que íamos continuar neste caminho. Temos na agência um autor italiano e também um autor alemão, um autor judeu de quem eu gosto muito e que ele mesmo nos pediu se podíamos trabalhar com ele, mas são excepções. O forte está na língua portuguesa, mas tive de abrir as portas para a América Latina porque só com autores lusófonos não teria sido possível manter a agência.
13.5.06
El novelista señala que "se puede manipular mucho más la imagen que la palabra"
SANTIAGO BELAUSTEGUIGOITIA - Sevilla
El escritor portugués José Saramago (Azinhaga, 1922) señaló ayer que "hay que vivir a la contra" y defendió la palabra frente a la imagen en Sevilla. "La imagen te enseña la situación. La palabra tiene que describirla, comprenderla y comunicarla. Ninguna palabra es en sí poética. Lo que la hace poética es la palabra que está al lado", explicó el novelista, que pronunció el pregón inaugural de la Feria del Libro de Sevilla. "Las imágenes que surgen en la televisión necesitarían muchas palabras para ser entendidas porque se puede manipular mucho más la imagen que la palabra", dijo.
Saramago mostró su apoyo al libro en un siglo XXI en el que las nuevas tecnologías parecen arrinconar la palabra impresa. "Me resulta completamente imposible leer en una pantalla de ordenador. Lo lamento. Soy del tiempo del libro, del papel. Uno puede dejar caer una lágrima sobre la página. Es más difícil dejar caer una lágrima sobre un ordenador. Creo que el libro todavía va a durar", comentó el autor de Memorial del convento.
"Parece que el libro es la única cosa cara en la vida. No decimos que una entrada para un concierto de rock sea cara. La pagamos. El libro es caro, pero uno lo tiene en la estantería. El concierto de rock dura dos horas y se acabó. Tienes el recuerdo. O la grabación del concierto. Un libro lo tienes en la biblioteca. Lo lees cuando tienes distintas edades. Y es un libro distinto porque tú eres distinto", señaló el Premio Nobel de Literatura de 1998.
El novelista portugués recordó a su abuelo materno, que antes de morir se despidió de los árboles de su huerto. "Me gustaría morir siendo plenamente consciente. Me parece una putada morirse cuando uno está durmiendo. Eso no se le hace a un ser humano. Me gustaría morirme siendo consciente de que me estoy muriendo y mirando a las personas que quiero", afirmó el novelista. "Yo voy tanto en avión que, a lo mejor, un día puede caerse. En resumen, todo se acaba", resumió Saramago.
El autor portugués pronunció el pregón inaugural de la Feria del Libro, que concluirá el próximo 21 de mayo, en el Patio de Banderas ante un público que le ovacionó con un largo aplauso. Hora y media antes del pregón, ofreció una conferencia de prensa, en la que detalló algunas de sus ideas y opiniones. Saramago tuvo pálabras cálidas de recuerdo para sus abuelos maternos.
Aquella imagen de su abuelo despidiéndose de sus árboles antes de morir quedó fijada en su ánimo. Saramago ha abordado recientemente un libro de memorias que llegan hasta sus 14 años. "He tenido una infancia feliz. Nací en 1922. Hoy en día los años veinte son casi la prehistoria. Era un niño pobre de solemnidad. Pero en la niñez descubrí un mundo: los olivares, los animales... Espero publicar este libro de memorias en otoño", explicó el novelista portugués.
"Uno cree que muchas cosas quedaron olvidadas para siempre. Y empezamos a recordar cosas que creíamos olvidadas: personas, situaciones, olores de la tierra y de los animales... Tengo 83 años. ¿Dónde está mi niñez? Mi infancia se desarrollaba en medio de una pobreza total. Y, aun así, soy consciente de haber sido muy feliz", recalcó Saramago. El escritor portugués evocó la despedida de su abuelo a sus árboles. "Se abrazaba a ellos y lloraba porque sabía que no los volvería a ver. Cuando uno tiene una experiencia como ésta no puede olvidarla", agregó.
Sus abuelos maternos dejaron en el escritor un poso de conducta y dignidad que jamás pudo arrinconar a un lado. "Si hay algo en mi vida que se quedó como un referente es el hecho de que me transmitieron unos valores. Fueron mis mejores maestros por su austeridad y rigor moral", recordó el novelista.
Saramago se crió en una casa en la que no había libros. "Mi relación con los libros fue un poco tardía. No tuve la suerte de nacer en una casa con una biblioteca. No teníamos dinero. En casa no teníamos un solo libro. De todas formas, mi familia era magnífica", evocó el Premio Nobel de Literatura. Saramago se nutrió de los libros de las bibliotecas públicas en su adolescencia. "Quizás lo bueno de este inicio tardío en la lectura haya sido el hecho de haber leído sin tener a alguien que me orientara". comentó. "Leía por la noche. Durante el día trabajaba", añadió el novelista.
Saramago señaló que las ferias del libro tienen elementos positivos. "Mi escepticismo no me lleva a decir que una feria del libro no sirva para nada. Creo que sirve para algo. Está la posibilidad de encuentro con los lectores. Y eso vale la pena", concluyó el autor.
Entre la Guerra Civil y los libros de poemas
Las ferias del libro de Sevilla y Granada presentan hoy diversas actividades.
- SEVILLA. 'Literatura y Guerra Civil'. Antonio Hernández, Andrés Sorel y Rafael de Cózar participan en este ciclo a las 13.30 en la Casa de la Provincia.
- Lectura pública IV Certamen de escritores noveles. Los ganadores del certamen, de 10 a 18 años, leerán sus obras de 18.00 a 20.00 en la plaza del Triunfo.
- 'Traductores de poesía en Sevilla'. En esta mesa redonda participarán José Antonio Moreno Jurado, Pablo del Barco y Antonio Rivero, entre otros. A las 19.00 en la Casa de la Provincia.
- GRANADA. Libro de Pablo García Baena. A las 20.00, en el Corral del Carbón, el poeta cordobés Pablo García Baena presentará su último libro, Los Campos Elíseos, acompañado del granadino Antonio Carvajal.
- Poesía de Nieves Chillón. A las 20.00, en el Palacio de Bibataubí, Nieves Chillón dará a conocer sus últimos poemas, publicados por la editorial Cuadernos del Vigía bajo el título de Morning blues. La joven será presentada por Milena Rodríguez.
Alexandra Prado Coelho
Imaginem uma anedota que tem apenas um ponto de partida - uma família chega a um empresário teatral e diz que tem um número que o vai deixar estarrecido - e uma frase final: "Que nome dão ao vosso número?", pergunta o empresário. "Os aristocratas!", responde a família. No meio é que está tudo, pode-se pôr o que se quiser, desde que seja politicamente incorrecto, ordinário, nojento, escatológico e totalmente chocante... É esse o desafio feito a 100 humoristas - de George Carlin a Whoopi Goldberg, passando por Jon Stewart e Robin Williams, no filme "Os Aristocratas". O resultado é um tratado sobre o humor, o que nos faz rir, como se conta uma anedota - sendo que a anedota é um género desprezado pela grande maioria dos humoristas.
Os Aristocratas é, aparentemente, um clássico da anedota na América. Mas é também uma anedota que nunca é contada em público. Serve mais como "um aquecimento", ou como uma "jam-session" entre humoristas, para ver quem vai mais longe. É, dizem os autores do filme, Paul Provenza e Penn Jillete (também eles humoristas, do duo Penn & Teller), na nota de apresentação, um "aperto de mão secreto entre humoristas". Também não é uma anedota de estrutura clássica, porque logo no início do filme ficamos a conhecer o fim, e isso não a prejudica, o que acaba por ser uma perversão da lógica da anedota.
Sendo amigos de muitos humoristas, Provenza e Jillete desafiaram-nos a contar Os Aristocratas em frente à câmara. E, para sua surpresa, quase todos aceitaram. E tiveram que aceitar, claro, a principal regra do jogo: nos Aristocratas não há limites.
O filme obriga-nos também a perguntar a nós próprios, como espectadores, o que é que consideramos aceitável, o que é que aguentamos ouvir, e até que ponto conseguimos rir com a mais abjecta obscenidade. Luis Pedro Nunes, director de " O Inimigo Público", o suplemento satírico do PÚBLICO, resume: ""Os Aristocratas" vai atingindo níveis de obscenidade cada vez maiores, até normalizar todos os tabus e trazer para o risível o que nem sequer é discutível".
Por isso, lembrou-se de "Saló, ou os 120 dias de Sodoma", o filme de Pasolini, com os círculos "da merda, do sangue" - "são círculos do alargamento da moral burguesa, as coisas vão piorando de tal forma que quando regressamos ao primeiro ciclo já o achamos uma banalidade".
humor, desporto radical. Zé Diogo Quintela, um dos quatro elementos dos Gato Fedorento, também se interroga sobre a banalização do chocante. "Aquilo que choca, a bestialidade, a escatologia, hoje está um bocado esgotado". Na sua opinião, nenhum dos humoristas que aparece no filme "tem um verdadeiro rasgo de originalidade". Ou seja, "dentro do politicamente incorrecto que é suposto ser, o filme até acaba por ser politicamente correcto, não há ali nenhuma vontade de quebrar as regras". Os limites são todos ultrapassados dentro do tema (incesto, escatologia, etc.), mas ninguém (ou muito poucos) entram por outras áreas.
Rui Cardoso Martins, das Produções Fictícias e um dos autores do Contra Informação da RTP, também reparou que há uma espécie de "no-go areas". "Achei curioso que, embora haja referências a Jesus Cristo e aos judeus, não haja nenhuma a muçulmanos".
Para um humorista, a questão de perceber até onde pode ir tem que ser reavaliada todos os dias, a cada nova piada. "O que dá gozo no humor é a capacidade de poder acertar em cheio ou, pelo contrário, de nos estamparmos completamente e podermos acabar com a nossa carreira ali. É por isso que o humor é um desporto radical", diz Nuno Markl.
Para quem, como Markl, tem um programa radiofónico diário, nas manhãs da Antena 3, muito tem a ver com o espírito com que se levanta da cama. "Às vezes dá gosto uma pessoa atirar-se para fora de pé. Há dias em que me sinto mais kamikaze, outros em que sinto que não estou muito em forma para dizer uma coisa mais arriscada". Por vezes enche-se de dúvidas: "Será que posso falar de morte hoje, depois das mortes na estrada durante a Páscoa? Depois da morte do actor dos "Morangos com Açúcar"? Será que posso falar de carros, mesmo que não fale de acidentes?".
Também Luís Pedro Nunes viu o filme do ponto de vista de quem "lida diariamente com o problema "será que isto se pode dizer?", "será que é demais?"".
"A minha luta semanal é perceber qual a maré dessa semana, em que tipo de assunto se pode pisar o risco sem que nos venham dizer que pisámos o risco".
O fecho de um suplemento como "O Inimigo Público" obriga Luís Pedro a ler 70 ou 80 textos numa tarde. Ler humor - que parte de um olhar satírico sobre temas de actualidade, a maioria políticos - pode ter um efeito estranho sobre uma pessoa. "Durante essas 24 horas a minha capacidade de julgamento da realidade está alterada. Aquilo estica-nos de uma forma estranha a nossa moral e o nosso julgamento das coisas".
Também quando se conta uma anedota chocante, como a deste filme, forma-se uma espécie de contrato entre quem conta e quem ouve. "Sabe-se que vai haver um momento de ausência de moral", que é aceite por ambos os lados.
A avaliação do que "passa" e do que "não passa" junto do público tem, por isso, que se basear quase exclusivamente no bom senso, na sensibilidade - ou então, como diz Luís Pedro, simplesmente na "falta de senso", mesmo que às vezes este faça com que se dêem "tiros no pé". E é, todos o dizem, uma questão de "timing".
o interdito e o contexto. O problema do momento certo para dizer uma piada é ilustrado numa das cenas mais interessantes do filme. Perante uma audiência numa festa, o humorista Gilbert Gottfried tenta fazer uma piada sobre o 11 de Setembro. A sala gela. Ouvem-se gritos de "é demasiado cedo". Gottfried tem que reagir. E contra-ataca. Começa a contar Os Aristocratas. A sala vem abaixo a rir. A mesma audiência que não estava pronta para ouvir uma piada sobre o 11 de Setembro, rebola-se a rir com uma história que envolve incesto, práticas sexuais chocantes e escatologia no mais elevado grau. É a prova de que há um momento certo para o humor.
Nuno Markl lembra-se de as Produções Fictícias terem feito, em 2002, um ano depois dos atentados nos EUA, um cartão de Natal em que o Pai Natal e o seu carro puxado por renas chocavam contra as torres das Amoreiras. "Foi o primeiro passo que demos", recorda. "É libertador fazer comédia sobre o que nos angustia". "Dizer o interdito está na origem do humor e é uma das suas principais funções", concorda Rui Cardoso Martins.
E há, claro, o contexto. O comediante tem que perceber qual é o seu público naquele dia, naquela sala. "Todo o humor é um bocado contextualizado. Dizes "pila" e num certo contexto pode ser a coisa mais porca do mundo", diz Pedro Tochas. Se o público conhece bem o artista, tudo é mais fácil, porque já sabe o que esperar dele. E dizer Os Aristocratas para uma audiência americana é diferente do que dizê-la para um público português. Por mostrar que no domínio privado nem todos partilham do "grande conservadorismo moral que existe actualmente nos EUA, [o filme é] uma bofetada na sociedade americana", considera Rui Cardoso Martins. Em Portugal é diferente, porque os palavrões e a escatologia já entraram na televisão - infelizmente, na opinião do argumentista do Contra Informação: "É fácil, é barato e é mau".
Se calhar, mais do que o bom senso, é ao bom gosto que chegamos quando tentamos definir o que fazer ou não em termos de humor. "O único limite é o do bom gosto", diz Bruno Nogueira, que para além de ser actor escreve textos de humor. "Não tenho temas tabu. Mas se vamos tratar de assuntos mais delicados temos que saber como falar deles. Chocar só por chocar não faz rir ninguém".
Apesar de achar que se trata de "um exercício interessante sobre o improviso", que é uma coisa de que gosta, Bruno não se riu com "Os Aristocratas". Não porque tenha ficado chocado com os temas, mas porque a piada centra-se em duas coisas que não suporta: a escatologia, e as graças fáceis sobre sexo. "São coisas que não me fazem rir".
Isto tem a ver, obviamente, com o tipo de humor com o qual Bruno Nogueira se identifica. "Gosto do humor que faz pensar. Não gosto de temas fáceis de mais, como o futebol ou o sexo. Num espectáculo basta dizer o nome de uma equipa de futebol e têm-se a sala ganha, ou pelo menos meia sala".
A recusa de um humor fácil e imediato é partilhada por todos os humoristas com quem o Y falou. Todos são unânimes - como, aliás, os humoristas do filme - em considerar a anedota um género menor, precisamente porque é fácil. "A única pessoa que consegue conjugar a capacidade de fazer humor e contar anedotas é o Herman", diz Rui Cardoso Martins, enquanto Nuno Markl se lembra de Fernando Rocha, que "transcende aquilo, transfere a anedota para uma espécie de stand-up".
E dentro do mundo da anedota, o pior que há é a anedota básica. "Um mês depois do tsunami eu estava a falar do assunto nos meus espectáculos", afirma Pedro Tochas, que gosta de se definir como "performer". "Mas não se pode fazer uma coisa só pelo choque, isso é oco. Tem que haver muito trabalho por detrás. Se não tivermos uma posição forte sobre as coisas, se não nos interrogarmos sobre o que pensamos do mundo, e não construirmos os nossos textos a partir daí, então fica uma coisa oca".
Num programa de sátira política como o Contra Informação, o princípio básico - o limite auto-imposto - é o de "não entrar na vida privada das pessoas, a não ser que elas a façam pública", explica Rui Cardoso Martins. Depois existem outros limites, mas que são os tais definidos caso a caso, pelo bom senso e o bom gosto. "Não é uma imposição moral", sublinha Rui. "Podemos usar palavrões ou falar de sexo, mas é sempre para reflectir algo que estamos a criticar. Tem que haver uma segunda leitura das coisas". Foi o que fizeram, por exemplo, com o Big Brother, em que a violência entre concorrentes foi caricaturada no Contra de forma ainda mais violenta, usando "um mecanismo clássico do humor que é o exagero".
Zé Diogo Quintela acha que "para tratar assuntos mais agressivos é preciso manter o público do nosso lado" e isso tem muito a ver com "conseguirmos gozar connosco próprios, mostrarmo-nos falíveis, criarmos uma empatia emocional, e não hostilizar o público". Lembra-se de, no tempo em que fazia "stand-up", ter arriscado uma piada mais puxada, sobre uma relação entre um jovem e uma velha. Percebendo que era um território de risco, tentou logo de início quebrar o gelo: "Comecei por falar da minha namorada, que tinha oitenta e tal anos", conta.
O que a anedota dos Aristocratas tem de particular é que dentro dela cabe tudo. E quem a diz revela-se. Como já conhecemos o fim, a chamada "punchline", a parte do meio da anedota é, segundo Luis Pedro Nunes, "um espaço vazio onde cada um coloca a sua abjecção". Os Aristocratas é, por isso, muito mais do que uma anedota. "Quem a conta está a definir-se a si próprio".
Um pouco como, recorda Rui Cardoso Martins, o célebre Diácono Remédios, que as Produções Fictícias escreveram para Herman José - o padre moralista entusiasmava-se tanto quando começava a enumerar os possíveis pecados, que as perversões que conseguia imaginar superavam sempre em muito a realidade que pretendia criticar.
E você? Como contaria Os Aristocratas?
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