Textos da Internet

7.2.05

 

Um Livro Aberto

Sábado, 05 de Fevereiro de 2005

%Isabel.Coutinho@publico.pt

O livro "We, The Media" de Dan Gillmor é um dos "Open Books" publicados pela O'Reilly Media. Saiu o ano passado, em Agosto, e por isso pode ser consultado integralmente na World Wide Web na página que Dan Gillmor dedica ao livro. É apresentado em .pdf, pode ser lido com o Adobe Reader.

O projecto Open Books da O'Reilly Media já tem publicado alguns destes "livros abertos/open books" com diversas formas de "'open' copyright". Explicam no "site" : "As razões para 'abrir' os direitos de autor, (...) são tão variados como os autores. Pode acontecer o caso de um livro estar esgotado e não voltar a ser impresso porque já está ultrapassado mas ainda assim existem pessoas que precisam urgentemente da informação que ele contém. Talvez o autor do livro ache que os livros devem ser publicados com um regime especial de direitos reservados. Ou então pode acontecer que o livro tenha sido escrito colectivamente por uma comunidade em particular, neste caso a nossa comunidade Community Press books. A O'Reilly detém os direitos de autor de alguns dos livros, em outros casos são os autores que os detêm."

Dan Gillmor criou um "site" e um "weblog" sobre os tópicos e os temas discutidos no livro. Lá podemos ler recensões ao seu livro publicadas em vários jornais online ou impressos; algumas das suas intervenções públicas e algumas das suas entrevistas. Além, é claro, do próprio livro, que pode ser lido na íntegra. (Só é pena que nas notas não se consiga ir directamente aos sites através dos links que ele indica, assim a vida seria muito facilitada e a leitura melhor do que quando o estamos a ler em papel).

No "Dan Gillmor's eJournal", o jornalista colocou um post em 25 de Janeiro de 2002 onde contava o seu percurso profissional até essa altura. Em Setembro de 1994 foi para o "Mercury News" depois de ter estado seis anos no "Detroit Free Press". Antes disso esteve no "Kansas City Times" e em vários jornais do Vermont. Fez também trabalhos como freelance para o "New York Times", "Boston Globe" e a revista "Economist". Foi músico profissional: a sua banda editou dois discos, mas agora só toca na sala, em sua casa. A sua entrada na Wikipedia ( http://wikipedia.org ) diz que se tornou conhecido como colunista do "San Jose Mercury News", especialista em novas tecnologias e tudo o que se passava em Silicon Valley e refere também que Gillmor é autor de um weblog muito popular. Aí já se diz que em Janeiro de 2005 deixou de trabalhar no "San Jose Mercury News" (ver entrevista ao lado).

Noutro lugar da Internet é possível ler uma conversa entre Jay Rosen (um professor de jornalismo na New York University que escreve sobre a democracia e a imprensa) e o próprio Gillmor.

O seu livro deve ser lido por todos aqueles que se interessam pelas mudanças que têm ocorrido no mundo graças às novas tecnologias e não só: deve ser lido por todos os que se interessam pelo mundo que os rodeia.

"Aceito que os meus leitores saibam mais do que eu - e este é um facto libertador, que não ameaça a minha vida de jornalista.", escreve Gillmor logo na introdução do livro. Ora aqui está uma grande lição para todos nós.

Open books project

http://www.oreilly.com/openbook/

"We, The Media" online

http://wethemedia.oreilly.com/

http://www.oreilly.com/catalog/wemedia/book/index.csp

Mais sobre Dan Gillmor

http://dangillmor.typepad.com/dan_gillmor_on_grassroots/

http://weblog.siliconvalley.com/column/dangillmor/

Conversa entre Dan Gillmor e Jay Rosen sobre o livro

http://www.oreillynet.com/pub/a/network/2004/09/14/gillmor.html


 

Uma Conversa Sobre 'Media'

Sábado, 05 de Fevereiro de 2005

%António Granado

Dan Gillmor anunciou o seu livro "Nós, os Media" em 11 de Abril de 2003. Nessa altura chamava-se ainda "Fazendo as Notícias" ("Making the News") e Gillmor escreveu no seu "weblog" a propósito deste novo projecto: "Caros leitores: Estou a trabalhar num livro e convido-vos a serem parte dele."

Na revelação do seu projecto, Dan Gillmor acrescentava alguns resumos dos vários capítulos previstos e pedia comentários aos leitores. Durante os meses que se seguiram, recebeu dezenas e dezenas de sugestões úteis, acrescentou-as aos seus próprios textos e, em Junho de 2004, voltou novamente à carga: publicou, um a um, os capítulos que tinha escrito e pediu novamente aos leitores para lerem o que escrevera. Por essa altura, o livro já tinha mudado de nome para "Nós, Os Media" ("We, the Media") e estava apenas a um mês da sua publicação nos Estados Unidos.

A estória da escrita de "Nós, os Media", que a Editorial Presença acaba de editar em Portugal, é o exemplo perfeito daquilo em Dan Gillmor acredita e professa neste livro: os leitores sabem mais do que os jornalistas e devem ser chamados a participar mais no processo da escrita das notícias (ver entrevista nestas páginas).

Colunista de tecnologia no "San Jose Mercury News", Dan Gillmor escreveu muitas vezes a propósito das mais profundas alterações que o jornalismo sofreu nestes últimos anos e defendeu sempre aquilo a que chamou "grassroots journalism" ("jornalismo de base"), a escrita de notícias por cidadãos anónimos, organizados localmente, em torno de interesses próprios, para cobrir áreas ignoradas pelos grandes "media".

Os "cidadãos-jornalistas" (o termo é de Gillmor) têm a sua expressão máxima no "site" OhMyNews.com, um jornal "on-line" coreano que teve um papel essencial na eleição do actual Presidente do país e se tornou um meio de comunicação de referência, em contraste com os jornais tradicionais conotados com o "statu quo". Na altura em que Gillmor esteve na Coreia (na Primavera de 2003), o OhMyNews contava com uma equipa de 50 pessoas "e as contribuições de legiões de 'cidadãos-repórteres' - (...) mais de 26 mil, dos quais 15 mil já tinham publicado artigos assinados" (p. 133).

Em todo o livro, Gillmor apresenta exemplos desta corrente de cidadãos que querem ir mais longe do que os "media" tradicionais e elaboram as suas próprias notícias, fazem as suas próprias investigações, mantêm os jornalistas tradicionais debaixo de olho, controlando o que escrevem, assinalando cada imprecisão.

Os "weblogs" são, obviamente, uma parte essencial deste novo fenómeno e são também tratados em "Nós, os Media". Ao permitir que qualquer pessoa em qualquer parte do mundo possa publicar na Internet, o "software" disponibilizado pela empresa Pyra Labs em Agosto de 1999, conhecido por Blogger, veio revolucionar um meio já por si revolucionário. Gillmor aponta, a este propósito, um momento considerado crucial no desenvolvimento dos "weblogs" - o ataque às Torres Gémeas em 11 de Setembro de 2001 e a subsequente proliferação de relatos na primeira pessoa feitos em blogues -, comparando-o a outros momentos importantes da história, como a morte de Roosevelt ou Kennedy, mas salientando a novidade deste: "Desta vez estava a acontecer mais qualquer coisa, algo de profundo: as notícias estavam a ser produzidas por pessoas comuns, que tinham pormenores a relatar e imagens para mostrar, e não apenas pelas agências de notícias 'oficiosas' que, tradicionalmente, costumavam produzir a primeira versão da história. Desta vez, o primeiro esboço estava a ser escrito, em parte, por aqueles a quem as notícias se destinavam. Uma situação tornada possível - era inevitável - pelas novas ferramentas de comunicação disponíveis na Internet." (p.12)

É por estas e outras razões que "Nós, os Media" é um livro essencial para podermos compreender o que se está a passar actualmente na Internet, como é possível a enorme quantidade de "weblogs" que nascem no mundo inteiro a cada dia, por que é que há leitores que não querem continuar a fazer parte da audiência e fazem questão de participar, à sua própria maneira, no processo de escrita das notícias. Jornalistas, fontes e público estão a confundir-se cada vez mais e é fundamental que percebamos isso.

Para nós, jornalistas, não vale a pena tentar fingir que não percebemos este novo movimento, que não acreditamos no jornalismo fora dos meios tradicionais ou que os cidadãos-jornalistas não têm credibilidade suficiente para fazer sombra aos grandes "media" onde trabalhamos. Mesmo em Portugal, já não será a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que uma estória contada em primeiro lugar num blogue faz manchete num jornal, ou origina uma peça na rádio ou na televisão. Sigamos o conselho de Gillmor: "A emergência do cidadão-jornalista vai ajudar-nos a prestar-lhes atenção. A possibilidade de qualquer um produzir informação dará voz a pessoas que a não têm tido. E precisamos de ouvir o que elas têm a dizer-nos. Para já, estão a mostrar a todos e a cada um de nós - cidadão, jornalista, objecto da notícia - que existem novas formas de falar e de aprender. No final, poderão ajudar a um renascimento da noção, agora ameaçada, de uma cidadania verdadeiramente informada. Assim o exige a autodeterminação e todos sairemos beneficiados se soubermos agir em conformidade. Para bem de todos, vamos conversar sobre este assunto."

NOTA: A dificuldade em traduzir "grassroots journalism" terá levado a Presença a optar por não incluir no livro o pós-título original de Gillmor "We the Media - Grassroots journalism by the people, for the people" ("Nós, os Media - Jornalismo de base pelas pessoas, para as pessoas"). A opção é péssima, tanto mais que cada vez que a expressão "grassroots journalism" aparece é erradamente traduzida para "jornalismo cívico" (p.16, por exemplo). O jornalismo cívico tem por objectivo religar as pessoas às causas públicas, encorajando-as a participar no processo democrático, ou seja, é uma expressão já aceite para definir uma outra corrente diferente daquilo que Gillmor propõe. Jornalismo cívico é praticado por jornalistas, "jornalismo de base" (uma expressão que, admito, pode não ser a mais feliz para traduzir "grassroots journalism") é feito por não profissionais, por aqueles a que antigamente chamávamos "audiência".

Nós, os Media

Autor: Dan Gillmor

Tradutor: Saul Barata

Editor :Editorial Presença

269 págs., ... euros


 

"Os Meus Leitores Sabem Mais do Que Eu"

Sábado, 05 de Fevereiro de 2005

%António Granado

"Nós, os Media" não é um livro qualquer. Dan Gillmor decidiu escrevê-lo de forma aberta e foi colocando cada capítulo na Internet, pedindo comentários dos seus leitores. Recebeu algumas dezenas de contributos que incorporou e, em Julho passado, o livro apareceu finalmente nas livrarias. Em Portugal, a Editorial Presença fez a primeira tradução desta obra.

Mil Folhas - Por que é que decidiu escrever este livro?

Dan Gillmor - Porque senti no meu próprio trabalho, há algum tempo, que o jornalismo estava a mudar. Aprendi há já alguns anos que os meus leitores sabem mais do que eu e que era possível conversar com eles em vez de lhes dar lições.

P. - Acha que o jornalismo se transformará numa conversa com os leitores?

R. - Espero que se transforme numa conversa e numa espécie de seminário, onde todos discutiremos em comum, em vez de uma simples aula.

P. - Como é que isso vai ser possível nos jornais?

R. - Bem, temos de fazer muita coisa "on-line" de forma a que estas ideias funcionem. As cartas ao director, que aparecem em todos os jornais, são o princípio de uma conversa, um lugar onde os leitores nos dizem várias coisas. Gostaria de ver estes exemplos multiplicados. Não é só para o jornalista que isto é bom, é para todos os envolvidos. Os leitores poderão participar no processo jornalístico, poderão ser jornalistas se escolherem sê-lo.

P. - E como é que acha que os "grandes 'media'", como lhes chama no seu livro, podem incorporar estes cidadãos-jornalistas?

R. - Acho que há diferentes formas de podermos fazer isto [disse, "podermos" e acabei de sair...]. Podemos começar por ter aquilo que muitos jornais já têm: fóruns nos seus "sites". Mas temos de lhes prestar atenção. Podemos ter "weblogs", onde podemos ter uma reacção imediata do público. Podemos suscitar mais contribuições dos nossos leitores. Podemos dar aos leitores, e isto é mais controverso, uma hipótese de serem jornalistas no nosso "site". Com isto não quer dizer garantamos esse jornalismo, mas pômo-lo debaixo do nosso chapéu.

P. - Disse que acabou de sair. Deixou a sua coluna no "San Jose Mercury News", que era lida no mundo inteiro. Por que é que desistiu do jornalismo?

R. - Eu não desisti do jornalismo. Estou mais dedicado ao jornalismo do que nunca. Jornalismo é ainda o que faço. O que eu decidi iniciar é um projecto que combina os melhores princípios e práticas do jornalismo tradicional com a energia e conhecimento que as pessoas possuem nestes movimentos de base ("grassroots"). E acho que podemos obter uma poderosa mistura nova de que espero fazer parte.

P. - Reparei na assinatura do seu "e-mail" que constituiu uma empresa chamada Grassroots Media Inc. O que é que nos pode dizer sobre este novo projecto?

R. - Não há muito para dizer para já, porque apenas comecei. Estou agora a tentar perceber que caminhos devo seguir. Mais uma vez repito que o meu objectivo é combinar o melhor do mundo antigo e do novo mundo e ver o que conseguimos fazer juntos. Mas não tenho nada específico que possa dizer porque ainda é muito cedo.

P. - Como é que vê os media dentro de dez anos?

R. - Bem, acho que não sou suficientemente inteligente para poder projectar os media nem sequer a cinco anos. [risos] Acho que vamos ver muito mais "media" criados por pessoas que antigamente eram apenas audiências. Não-profissionais vão-se juntar com profissionais e transformar-se em repórteres-cidadãos. Não acho que eles venham a substituir os profissionais, acho que continuará a haver necessidade de profissionais. Pessoalmente, não quereria ver o jornalismo profissional desaparecer, porque acho que é uma profissão muito importante. Mas acho que os profissionais poderão ganhar muito com o conhecimento dos cidadãos comuns. Também acho que os fazedores de notícias, as pessoas sobre as quais os jornalistas escrevem, também deveriam aprender a utilizar estas ferramentas para comunicar melhor com o público. Acho que também veremos aparecer melhores ferramentas que nos ajudarão a ter um conhecimento mais apurado da conversação global que acontece todos os dias.

P. - Estava à espera desta reacção ao seu livro?

R. - O português é a primeira língua em que o livro é traduzido. Será publicado no Japão e na Coreia nesta Primavera. Estou muito contente por ver que há pessoas que querem ler o livro noutras línguas. Trata-se de um fenómeno global, e a Web e o jornalismo não são apenas em inglês. Sinto-me lisonjeado e estou à espera de reacções das pessoas em Portugal e no Brasil, para perceber como é que eles vêem estes desenvolvimentos, porque continuo a aprender com os meus leitores.


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