Textos da Internet

9.11.04

 

J. G. Ballard "Numa Sociedade Saudável, a Loucura É a Única Liberdade Possível"

Domingo, 07 de Novembro de 2004

%Paulo Moura

Os últimos três romances de J.G. Ballard falam obsessivamente da mesma coisa: a necessidade de violência na sociedade contemporânea. Em "Noites de Cocaína", passado numa estância turística de luxo no Sul de Espanha, Estrella del Mar, um professor de ténis visionário descobre que o crime é a única forma de despertar o sentido cívico e recuperar o amor pela vida. Em "Super-Cannes" (ainda não traduzido em português) um psiquiatra foi incumbido de tratar a depressão crónica dos executivos da "Sillicon Valley" europeia. Prescreve-lhes uma forma de desporto muito eficaz para a saúde física e mental: atacar violentamente cidadãos imigrantes. Em "Gente do Milénio" (Quetzal), a classe média de um bairro londrino, Chelsea Marina, cansada do seu estilo de vida demasiado perfeito e monótono, desencadeia uma sangrenta revolução.

Ao ver o escritor, de olhos brilhantes e cabelo comprido, com um ar um pouco desorientado, na sua sala cheia de pó, com sapatos, caixotes, livros e revistas sobre a carpete desbotada, junto à sua secretária com uma antiquada máquina de escrever eléctrica coberta com um plástico... é impossível não o imaginar como uma das suas próprias personagens. Talvez David Markham, o curioso e lúcido psicólogo de "Gente do Milénio", que se deixou fascinar pela causa de uma revolução absurda.

Ballard vive sozinho num velho casarão em Shepperton, um bairro pacato e incaracterístico não longe do aeroporto de Heathrow, nos arredores de Londres. Autor de muitos romances e contos de ficção científica, considerado por muitos um áugure do futuro, não gosta de computadores e escreve à mão em folhas minúsculas.

Ao vê-lo ao lado do seu Ford Granada de 1970, oferecendo-se para nos levar ao hotel, é impossível não pensar em "Crash", adaptado ao cinema por David Cronenberg, em que um grupo de amigos provocava acidentes rodoviários para daí extrair prazer erótico.

Ao vê-lo, aos 74 anos, enorme no meio do caos da sua sala, é impossível não pensar no menino inteligente e assustado de "O Império do Sol", o seu romance autobiográfico, que Steven Spielberg filmou. Perdido dos pais, prisioneiro num campo de guerra japonês em Xangai, Jim, então com oito anos, nunca perdeu a vontade de brincar. No campo de concentração, as pessoas, pelo menos, estavam juntas, diz ele.

P. "Gente do Milénio" fala de pessoas da classe média que sentem uma necessidade inexplicável de violência nas suas vidas. Porquê?

R. Os seres humanos têm um grande apetite por violência. Estão muito interessados na dor e na morte. Talvez por muito boas razões biológicas. O "Homo sapiens" emergiu há uns cem mil anos; a linguagem há 50 mil; a primeira cidade, no Iraque, foi construída há dez mil anos. E nos últimos 50 anos vivemos numa sociedade completamente nova, altamente organizada e consumista, que pôs os nossos cérebros a apodrecer.

P. Ainda não nos habituámos à civilização?

R. De modo nenhum. A maioria dos animais selvagens que hoje associamos a África andavam à solta na Europa ocidental há 20 mil anos. Os nossos antepassados caçavam estes animais, lutavam com eles. Nós não somos os seres racionais que pensamos ser. Somos selvagens. Os nossos sistemas nervosos centrais, os nossos cérebros, os nossos instintos, os nossos reflexos estão adaptados à vida de caçador solitário. Ou de grupos de dez ou 12 caçadores, não mais. Os seres humanos são perigosos e têm imaginações poderosas. De repente meteram-nos neste mundo, em que a individualidade é reprimida, em que não podemos fazer praticamente nada...

P. É precisamente por isso que a sociedade existe, para nos proteger de nós próprios.

R. É verdade. E temos de aceitar as regras, porque é do nosso interesse, como as regras do código da estrada. Mas é contra a nossa natureza.

P. Cada vez que paramos num semáforo vermelho estamos a contrariar a nossa natureza?

R. Imagine que alguém pega em 200 reclusos de uma grande prisão americana e lhes diz: "Ok, estão livres, venham daí. A partir de agora, podem viver neste bairro 'chique', usar estes fatos elegantes. Podem comer esparguete à bolonhesa ou o que quiserem em belos restaurantes. Terão um carro, podem ver televisão e comprar tudo o que quiserem no supermercado. Se casarem e tiverem filhos, terão educação gratuita para eles..." Acha que eles aceitariam? Claro que não. Arrasariam o bairro, destruiriam tudo!

P. Esses reclusos estão portanto mais próximos da natureza humana.

R. Somos violentos, fomos criados para a sobrevivência. Essa ideia iluminista de que os seres humanos se conduzem por altos motivos, tomam decisões racionais, é simplesmente mentira. Somos irracionais. Somos como um grupo de rapazes no recreio, a lutar todo o tempo. Somos criaturas perigosas. Veja a Segunda Guerra Mundial. Veja a guerra na Jugoslávia. Não conseguimos viver sem violência.

P. Devíamos aceitar mais violência na nossa sociedade, para evitar as guerras?

R. Sim, e é isso que está a acontecer. Os desportos são cada vez mais violentos. O boxe, o futebol americano, o râguebi, as corridas de carros desempenham um papel social, são uma válvula de escape. O nosso futebol também é violento mas não o suficiente. Por isso nasceu o hooliganismo, que é uma espécie de desporto paralelo. O futebol americano não tem "hooligans", porque a violência acontece dentro do estádio.

P. O futebol devia ser mais violento?

R. Sim. Deviam alterar um pouco as regras, para permitir que o jogo se torne mais violento.

P. No seu livro, a classe média iniciou uma revolução? De que se queixa a classe média?

R. As pessoas não podem estacionar o carro à porta de casa, as rendas estão cada vez mais altas... a classe média está sempre a queixar-se.

P. Mas daí a lançar uma revolução...

R. Lançaram uma revolução mas no fim foram todos para casa. Foi um pequeno movimento político sem sentido.

P. Uma das personagens diz que nenhuma revolução digna desse nome deveria ter êxito.

R. Exactamente. O que eu quis dizer é que, no futuro, vamos ter revoluções violentas sem nenhum objectivo. E é bom que assim seja. É bom que não tenham nenhum verdadeiro plano, nenhum sentido. Os Lenines, os Hitleres, os Pol Pots do futuro não terão ideologia, não terão justificação.

P. A história do livro foi inspirada em algum acontecimento real?

R. Houve um caso, há cinco anos, que me fez pensar. Uma jornalista de televisão foi assassinada. Chamava-se Jill Dando, tinha 30 anos, era bonita, vivia sozinha num distrito perto de Hammersmith. Um dia, ia para casa, alguém a seguiu e a matou, com um tiro. A Scotland Yard lançou uma verdadeira caça ao homem, com centenas de agentes. Nunca descobriram quem a matou nem por que razão. Acabaram por prender um vizinho, mas ninguém duvida de que ele está inocente. Foi e continua a ser um grande mistério, sobre o qual se escreveram muitos livros, se fizeram muitos debates. Então ocorreu-me que talvez tivesse sido um crime sem sentido nenhum. Seria esse o objectivo. Crimes sem sentido têm um sentido muito próprio.

P. Por que cometeria alguém um crime sem sentido?

R. Imagine que eu tenho uma terrível discussão com o meu vizinho. Saio de casa e quebro o pára-brisas do carro dele. É compreensível. É errado, mas faz sentido. Serei multado, e o assunto está encerrado. Mas imagine que vou na rua e paro subitamente junto a um carro qualquer e desato a partir-lhe os vidros. Ninguém vai compreender. Vão perguntar: "Porquê este carro?" O polícia vai dizer: "Não vejo qual é o móbil do crime." O juiz vai perguntar: "Porque fez isto, senhor Ballard? Conhecia o dono do carro? Não? Já tinha visto este carro antes? Não? Então porquê?" Toda a gente vai pensar no assunto, e voltar a pensar.

P. Talvez pensem que se tratou do acto de um doente mental.

R. Talvez, talvez... Mas é um fenómeno muito generalizado e específico do Ocidente, desde a Segunda Guerra. Crimes sem sentido. Pessoas entram em supermercados e matam indiscriminadamente, com metralhadoras, ou bombas. Um homem na Escócia entrou numa escola e matou 15 crianças dos três aos cinco anos. Outro, aqui perto, acordou uma manhã, pegou numa Kalashnikov" e matou a mãe. Depois passeou-se pela rua e assassinou mais umas dezenas de pessoas. Por fim suicidou-se. Outro...

P. Vê um significado nesses crimes?

R. Não. Mas são cada vez mais frequentes, à medida que as nossas sociedades se tornam mais civilizadas, mais enfadonhas.

P. As pessoas matam por enfado?

R. Estão desesperadas. É como um grito de socorro. Numa sociedade totalmente saudável, a loucura é a única liberdade possível. À medida que as sociedades ocidentais se tornam mais prósperas, mais civilizadas, mais governadas por leis razoáveis, deixamos de poder tomar decisões morais.

P. Não é bom ter leis razoáveis?

R. É precisamente esse o problema. As sociedades ocidentais são muito conformistas. Estão cheias de convenções. A vida na América, na Inglaterra, Itália ou Portugal é muito idêntica. A legislação é muito boa, muito esclarecida. Todos temos de mandar os nossos filhos para a escola, dar-lhes vacinas... tratar bem as nossas esposas, conduzir a 60 km/hora, parar no semáforo vermelho...

P. São convenções que aceitamos livremente, como disse.

R. É verdade. Mas semiconscientemente vamos descobrindo que não temos liberdade. E inconscientemente precisamos de protestar. Porque já não temos oportunidade de tomar decisões morais. O bem e o mal foram roubados aos seres humanos pela primeira vez.

P. Até aqui éramos donos do bem e do mal porque vivíamos em sociedades injustas?

R. Injustas, não democráticas, repressivas. Agora temos sociedades governadas pelos princípios mais simpáticos. E estamos sufocados, não podemos respirar. Não nos é permitido fazer julgamentos morais sobre nada. A sociedade fá-los por nós. A violência sem sentido surge como a única forma de assegurarmos a nossa liberdade. Há uma necessidade desesperada, no nosso mundo, de fazermos alguma coisa que tenha alguma espécie de sentido. E as únicas coisas que parecem ter algum sentido são os actos sem sentido.

P. Faz um certo sentido...

R. Se eu achar, por exemplo, que Tony Blair levou o nosso país para uma guerra estúpida, no Iraque, e por isso decidir matá-lo - o que não seria difícil, na realidade, se estiver preparado para ser apanhado. Se o fizer, o que terei conseguido? Nada. Mas se eu for na rua e matar a primeira pessoa que me aparecer, num acto completamente sem sentido mas ao mesmo tempo misterioso... isso deixará as pessoas a pensar.

P. Assassinar Blair seria lógico e portanto sem consequências...

R. O círculo fica completo, as pessoas partem para outra coisa, não pensam mais no assunto.

P. Um acto de violência aparentemente sem sentido como os atentados de 11 de Setembro também deixam as pessoas a pensar...

R. Sim, Mohamed Atta e os outros terroristas também não conheciam as suas vítimas. Também parece não terem qualquer justificação para o que fizeram. Eram indivíduos obsessivos mas altamente cultos. Frequentavam restaurantes e centros comerciais em Hamburgo ou em Londres e no entanto sentiram necessidade de provar alguma coisa, de provar que estavam vivos. Usaram o islão como justificação.

P. A religião não tem nada a ver com os motivos dos terroristas islâmicos?

R. A maioria dos muçulmanos não é violenta.

P. Mas há esse movimento do islão radical...

R. Isso já faz parte da insatisfação de que falo. Trata-se de pessoas oriundas de países, como a Arábia Saudita, altamente ocidentalizados. Viram-se para a violência, que não é inspirada na sua fé religiosa. Houve religiões violentas, é claro, mas o islão nunca o foi particularmente. Pelo menos não tanto como o cristianismo.

P. A violência sem sentido é importante para esses jovens muçulmanos ocidentalizados.

R. E a violência deles é importante para nós. Faz disparar o gatilho da nossa raiva, como aconteceu em Nova Iorque ou em Madrid.

P. Dá-nos justificações para o ódio.

R. Por exemplo, quando os americanos avançavam para o Oeste, nos séculos XVIII e XIX, perpetrando um genocídio contra os nativos, era bom que estes reagissem de vez em quando, matando alguns colonos brancos. Se tivessem dito logo - rendemo-nos, queremos a paz, dêem-nos uma reserva - teria sido muito mais difícil. Não, não, era melhor não se renderem já...

P. As reacções permitiam o ódio, sem culpa.

R. Normalmente dizem-nos que o ódio, a violência são maus. Mas depois do 11 de Setembro essas emoções são agora moralmente aceitáveis. Uma crescente hostilidade do Ocidente contra o islão é uma espécie de escape para as emoções reprimidas. Emoções que de outra forma voltaríamos contra nós próprios. Ter um inimigo externo é bom para nós.

P. Nesse caso, os terroristas islâmicos estão a fazer-nos um favor.

R. Exactamente. Ainda que não se apercebam.

P. Ou talvez se apercebam.

R. Talvez Bin Laden esteja a fazer tudo isso para o nosso bem. Talvez seja uma espécie de salvador, numa maquinação de pesadelo...

P. Isso leva a pensar que podemos estar a dar intencionalmente razões aos terroristas para cometerem actos terroristas...

R. É muito possível que estejamos a provocar inconscientemente os actos terroristas, porque os queremos, porque precisamos deles.

P. Significaria que fazemos terrorismo contra nós próprios e que Bin Laden é apenas um instrumento.

R. É um paradoxo, mas é possível que os ataques terroristas nos sejam úteis.

P. Ainda que constituam um pretexto para que as nossas sociedades se tornem ainda mais controladas.

R. Pior. A eliminação da dimensão moral das nossas vidas abre o caminho à lógica dos psicopatas. É isso que eu temo. Estamos a mover-nos rumo a uma guerra entre um gigantesco sistema psicopatológico contra outro gigantesco sistema psicopatológico. É assim que eu vejo o futuro. Uma espécie de luta darwiniana entre dois gigantes psicopatas rivais. O dos atacantes do 11 de Setembro contra o do complexo político-militar americano.

P. Bush compete em psicopatologia com Bin Laden?

R. O discurso dos neoconservadores americanos, Rumsfeld, Wolfowitz, sobre "fazer do mundo um lugar melhor" através da guerra está nas fronteiras da psicopatologia. Os ideólogos nazis, quando falavam da Rússia Soviética e dos judeus, mostravam o mesmo tipo de raciocínio psicopático. Mas a psicopatia é muito atraente. Dá todas as respostas de que precisamos.

P. A psicopatia, como a violência sem sentido, é um caminho para a liberdade?

R. Exactamente. Uma vez engolida a loucura básica, pode fazer-se qualquer coisa. Nos jornais ingleses já se está a criar o terreno para um ataque ao Irão. Só se fala do seu programa nuclear. Exactamente o mesmo caminho que seguiram com Saddam e as armas de destruição maciça.

P. As pessoas acreditam em tudo porque querem acreditar? Mesmo que não seja racional?

R. Sim. É até melhor que não seja racional.

P. Mas a sociedade perfeita e aborrecida de que fala é também ela uma mentira. A maioria dos seres humanos no mundo tem de lutar pela sobrevivência.

R. É verdade. Mas eu falo da sociedade ocidental.

P. Então por que não se dedicam os enfadados ocidentais, saudosos de decisões morais, a mudar o mundo?

R. Receio bem que não estejam interessados. Não temos interesse em nenhuma zona para além da nossa esquina do mundo. Estamos armadilhados na nossa história social. Olhe, eu nem sou capaz de lhe dizer o nome do primeiro-ministro português! E sou supostamente um homem culto. Vimos, na televisão, imagens de pessoas a morrerem à fome no Sudão. Que fazemos? Nada. As nossas atitudes são completamente provincianas. As nossas vidas são controladas. Se sou dentista, ou professor, não vou desistir da minha carreira para ir para África. Somos prisioneiros, embora não o saibamos.

P. Precisamos de aventura, mas ela não está ao nosso alcance.

R. O que está ao nosso alcance é a irracionalidade. A própria indústria do entretenimento está repleta desse apelo ao irracional.

P. É como se estivesse a preparar as pessoas para a tal violência sem sentido...

R. Exactamente. Parte do impacto do 11 de Setembro vem daí: já o tínhamos visto em filmes.

P. Havia uma espécie de premonição.

R. O que é muito assustador. Já estávamos a fazer o trabalho dos terroristas, ao nível da imaginação. A superfície da vida normal está a derreter, como gelo. O inconsciente humano está a começar a irromper. Meu Deus! As nossas estruturas políticas não conseguem lidar com isso.

P. Que podem fazer os políticos?

R. Não podem fazer nada. Estão presos ao conceito tradicional de política. Veja a Administração americana. Ainda está agarrada aos conceitos do século XX. Pensam sempre em termos de navios de guerra, tanques, ataques aéreos. É a América de 1945 com muito mais tecnologia, mas a mesma filosofia: se alguma coisa corre mal, bombardeia-se os gajos. Ora isto não se compadece com o mundo que temos. E depois os políticos ainda pensam que o seu papel é organizar a sociedade de forma mais justa e razoável. Também tem de ser isso, mas não só. Vocês já se viram livres da realeza, não é verdade?

P. Sim, em 1910.

R. Boa jogada. A monarquia está desacreditada. Mas a república também. Bem como a Igreja. Bom, nos EUA, 60 por cento das pessoas voltam-se para a Igreja, numa busca desenfreada do irracional. Eles têm uma indústria de entretenimento desde 1930. Uma prosperidade enorme e ainda a crença de que se trabalharem podem ter uma vida melhor. Mas o que será essa vida melhor? A Disneylândia? Mais consumo?

P. Não é isso que as pessoas continuam a procurar?

R. Tem de haver algo mais na vida do que apenas consumir coisas. Isso foi um bom ideal até certa altura, mas agora é um projecto que está esgotado.

P. A civilização ocidental vai então acabar?

R. A filosofia das Luzes, nascida com a Revolução Industrial, com a sua promessa de riqueza, prosperidade, já deu o que tinha a dar. O Iluminismo é um projecto acabado. Está nas suas últimas fases e as pessoas estão a voltar-se para o irracional. Para a religião, como nos EUA ou na Arábia Saudita, ou para o irracionalismo político, como os grandes projectos utópicos do século XX, o comunismo e o fascismo, que originaram dois gigantescos pesadelos...

P. Estará para nascer mais algum grande projecto utópico?

R. Eu vejo a possibilidade de o consumismo, para sobreviver, sofrer uma mutação. Transformar-se numa espécie de versão "soft" de fascismo. Há muitas similitudes. Os princípios psicológicos que lhe subjazem são os mesmos.

P. O consumismo não pressupõe a liberdade individual?

R. Não. É um tipo de autoritarismo, porque é um sistema de promessas. Compre isto e terá a felicidade. É uma promessa ideológica. A publicidade é um meio de dominar as nossas mentes, de forma autoritária, prepotente, sem argumentos racionais. As pessoas sabem isso e aceitam, porque gostam de obedecer.

P. Não se pode dizer que seja um optimista quanto à natureza e futuro da humanidade. Até que ponto a sua infância na China, durante a guerra, num campo de concentração, influenciou a sua visão do mundo?

R. Vivi em Xangai durante a ocupação japonesa, até aos 16 anos. Tive de crescer muito depressa. Aprende-se muita coisa, com essa experiência de viver, durante uma guerra, sob controlo inimigo. Ser civil e estar completamente à mercê deles. Ser uma criança e ver os pais também à mercê, inseguros. Sem terem comida para nos dar, cheios de medo. É absolutamente assustador. Ensina-nos para sempre que não podemos tomar nada por garantido. E que o mundo em que vivemos é muito mais perigoso do que parece.

P. É, de certa forma, um mundo fictício.

R. É um cenário. É assim que eu o vejo. Como um cenário de um filme, que pode ser derrubado em dez minutos, para ser substituído por outro.

P. A maioria das pessoas não tem esse pressentimento, pois não?

R. Quando cheguei a Inglaterra, depois da guerra, fiquei muito surpreendido. Então ninguém está a ver o que se passa? Senti-me um estranho aqui. E ainda hoje sinto, 60 anos depois. Parece que me apercebo de coisas que mais ninguém nota. Apetece-me dizer: "Ei, tenham cuidado!"

P. Os seus livros são isso? Avisos?

R. Acho que sim. Todos eles. É como colocar um sinal na rua a dizer: "Cuidado! Curvas perigosas mais à frente! Abrande!"

 

Gato Fedorento A Arte de Rir de Si Próprio

Domingo, 07 de Novembro de 2004

%Paulo Moura

Meu amigo, isto o que aconteceu foi muito simples. Dos quatro gatos fedorentos, Zé Diogo Quintela foi o mais pontual: só se atrasou duas horas. O que aconteceu é que o repórter da Pública chega ali e é logo confrontado com certas e determinadas situações, hã. Tiago Dores chegou três horas após o combinado, Miguel Góis três horas e meia e Ricardo Araújo Pereira quatro horas. Então mas como é que é? E os gajos: "Ah, e tal". O que foi um truque barato da parte do Quintela. Assim pôde calmamente apresentar a sua versão das coisas. Ele é que inventa as piadas todas. Os outros dão apenas os últimos retoques, fazem aquele trabalho de sapa, pouco criativo. E mais: do grupo, é ele, Quintela, o único a ter uma atitude verdadeiramente profissional. Os outros passam as sessões de trabalho a jogar "Playstation" ou a engalfinhar-se em questiúnculas estéreis e infantis. São capazes de desperdiçar um dia inteiro de trabalho a discutir a forma correcta de pronunciar uma determinada palavra em inglês. Ou a discutir a própria forma e estilo de jogar "Playstation". De jogar futebol na "Playstation", mais exactamente. Também neste capítulo Quintela é uma vítima. Só porque joga melhor do que os outros, é constantemente acusado de o fazer de forma demasiado violenta. São horas, dias inteiros em que não se trabalha, porque se discute violentamente a violência no desporto na "playstation". Tudo isto conta o Quintela, enquanto os outros não chegam. Há palhaços que falam, falam, falam, falam, mas ninguém os vê a fazer nada. Ah, e tal. Ah, e tal, não. Ah, e tal, não. Porque o Quintela é um gajo que está aqui a trabalhar, ele quer trabalhar, hã, e dizem-lhe, como ele aqui ouviu, dizem-lhe: Ah, não sei quê. Mas que é isto?

Porque o Quintela está sempre a trabalhar. Mesmo quando parece que não está a fazer nada. Eh pá, e tal, sim senhor.

Um exemplo: na paragem de autocarro está um tipo a mexer na cara. No restaurante, um sujeito tem um tique qualquer com as mãos. E Zé Diogo Quintela ali está a cumprir o seu dever, a escrever mensagens SMS no telemóvel, ou melhor, a tomar notas, usando o dispositivo tecnológico à sua disposição, e tal, sim senhor. Notas que irão ser fundamentais para a construção dos seus textos de comediante. E que irão imortalizar aqueles instantes do quotidiano.

Outro exemplo: uma vez, na rua, uma senhora quis mostrar aos quatro cómicos os talentos vocais do filho. Como o rapaz, envergonhado, se recusasse a cantar, ela recriminou-o: "não sejas modesto à parte". Ou o caso do homem que se recusava a "acusar A+B". Tudo isto vai parar ao telemóvel de Zé Diogo, e aparece transformado em "sketchs" geniais uns dias depois. Nem sempre reconhecidos como tal pelos colegas, é certo. Ah, não sei que mais. Mau! Queres ver que a gente tem de se chatear?

Dizem que só sabe fazer piadas reaças. Não vêem que são piadas de nível superior, muito acima da direita e da esquerda. Uma prova concreta: uma vez apareceu na reunião de trabalho com uma anedota sobre o Francisco Louçã. Ah, não sei que mais, era um "sketch" reaça, e tal. Mas acharam tanta graça que o incluiram no reportório. Apenas trocaram o Louçã pelo Paulo Portas. Mas que é isto? Isto não se faz. A piada resultou na mesma, o que veio confirmar a justeza de uma das regras de ouro do Gato Fedorento: nunca fazer referência a personagens ou situações concretas e actuais. O humor se tem qualidade não se faz à custa de ninguém, e é intemporal. Se uma pessoa vir o DVD do gato Fedorento daqui a dez anos continuará a "achá-lo tão mau como é hoje". Relacionará os "sketches" com outras personagens e outras situações.

Isto porque, se há alguma sátira social na arte do Gato, o seu objecto é eterno e internacional. O Gato não tem vítimas concretas. Lança as unhas sobre alvos ubíquos e avantajados. Talvez por isso acerte sempre. E não faça grande mossa. Afinal que alvos são esses? A burocracia, a falsidade da política, a vacuidade da televisão, a mesquinhez, a hipocrisia, a inércia, a bazófia... Vendo os seus "sketches", parece realmente que atiram setas a um retrato do país. Mas, pensando bem, não será que tudo isto existe nos outros países? Existiu e existirá? Eh pá, e tal, sim senhor, dir-se-ia que reconhecemos todas e cada uma das personagens. São o vizinho do lado, o funcionário da repartição, o empregado da oficina. O primo, o patrão, o cunhado, o gajo do programa televisivo da manhã. Mas são tantos que uma pessoa fica baralhada. Para onde nos vamos virar? Vamo-nos rir de quem? Ah, e tal, há gajos que fazem trinta por uma linha e depois passa tudo incólume. Vamo-nos rir de quem? Ah, e tal. Ah, e tal, não. Vamo-nos rir de quê? Um gajo dá-se bem com toda a gente, sim senhor, por mim está tudo bem, e fazem-me isto.

Analisemos o estranho caso do "sketch" "Qual papel?" Ricardo Araújo Pereira, Tiago Dores e Miguel Gois admitem que é sobre a burocracia. Mas Zé Diogo Quintela, que é o autor da ideia, não admite. A cena começa com Ricardo a entrar numa repartição ao pé-coxinho.

"Boa noite, eu queria renovar a licença para andar na via pública, ao pé-coxinho, a partir das 22 horas, por favor", diz o Ricardo.

O Zé, atrás do balcão, responde: "Muito bem. Olhe, precisa de escrever uma carta ao nosso director e trazer o papel".

"Qual papel?"

"O papel."

"Qual papel?

"O papel".

"Qual papel?"

"O papel."

E assim sucesssivamente, durante 22 vezes. Tiago Dores tem, no seu guião, escritas por extenso as 22 perguntas e respostas iguais, ocupando duas páginas, devido ao problema de ser "anal-retentivo", segundo o diagnóstico de Zé Diogo. Este, porém, confessa que rebola a rir, sozinho, só de ler as frases impressas no guião - qual papel? O papel.

"A minha ideia não foi fazer nenhuma crítica à burocracia. Foi apenas criar uma situação em que surgisse aquele diálogo a que acho imensa piada: qual papel? O papel. Qual papel? Acho que se não houvesse burocracia nenhuma em portugal o 'sketch' funcionava na mesma". Eis portanto duas perspectivas diferentes sobre o humor do Gato Fedorento, que não poucas vezes provocam as tais discussões estéreis no seio do grupo. Há e não há uma clivagem, a que não será alheia a circunstância de Zé Diogo ser de direita, enquanto os outros se assumem como de esquerda. Ou talvez isto não tenha importância nenhuma. Ou tenha tanta como o facto do Quintela ser do Sporting e os outros do Benfica. Lá em baixo dizem-me não sei o quê, chego cá acima e afinal parece que não. Em que é que ficamos?

A verdade é que, à parte o facto de, quando escrevem os textos para as personagens de Herman José, Zé Diogo se recusar a redigir as falas de Maria Rueff no Zé Manel, esse "benfiquista nojento", esse "taxista piolhoso", os quatro acabam por achar graça às mesmas coisas. "As opiniões podem ser diferentes mas o sentido de humor é o mesmo", resume Ricardo Araújo Pereira, quando finalmente chega, às seis da tarde, à entrevista marcada para as duas. "Não é por ele ser reaça e obeso que não podemos trabalhar juntos", acrescenta, referindo-se a Zé Diogo. "Ele não é de extrema-direita. Simplesmente... não aprecia os homossexuais. E... bem, no que respeita à Segurança Social, aí é mesmo fascista".

Ricardo atrasou-se porque tinha estado, nem de propósito, a escrever o último programa de Herman José. Eh pá, e tal, sim senhor. Há palhaços que falam, falam, falam, falam e ninguém os vê a fazer nada. O Gato Fedorento trabalha. São elementos das Produções Fictícias, escrevem textos para o Herman, uma coluna em "A Bola", outra em "O Inimigo Público", etc. Estão em todas. Desde que as Produções Fictícias monopolizaram o humor em Portugal... "Monopolizaram, não", corrige Ricardo. "O que acontece é que não há mais nada, não há alternativas". Eh pá, e tal, sim senhor. Pois agora já há. Eles, o Gato fedorento, são a alternativa. Apesar de manterem um pé nas Produções Fictícias, estão a ensaiar um humor diferente.

"O tipo de humor não é diferente", corrige de novo Ricardo, referindo-se ao Herman. "A diferença é que o Herman agora trabalha para as audiências". O que significa que o humor seria o mesmo, se não estivesse domesticado. Nas reuniões de trabalho, "o Herman dá directivas muito precisas", conta Ricardo. E Zé Diogo concretiza: "Sim, podem fazer sobre este ou aquele, o Marcelo, ou seja quem for, mas sem ferir susceptibilidades".

Os quatro "gatos" trabalharam pela primeira vez juntos no "Programa da Maria", de Maria Rueff, em Novembro de 2002. Ricardo tinha estudado Comunicação Social da Universidade Católica, Miguel também. Diogo frequentara o ISCP, Miguel trabalhara em publicidade. "O meu objectivo na vida era ser um merdas", confessa Miguel. "A história das nossas vidas é muito desinteressante", admite Diogo.

O "Programa da Maria" não foi propriamente um êxito televisivo, mas, para eles, serviu para experimentar um certo tipo de piadas. "Alguns 'sketches' eram já completamemte 'Gato'", diz Miguel Góis. Sempre ligados às Produções Fictícias e a Herman José, nunca deixaram secar a veia felina, que foi ganhando caudal. Em Outubro de 2002 Ricardo e Zé Diogo dizeram "stand up comedy" no Centro Cultural de Belém. Em Abril de 2003 juntaram os quatro para criar um Blog na Internet - o Gato Fedorento, título inspirado numa canção da série americana "Friends", o "smelly cat". Era uma série e uma canção de que os quatro eram fãs, sendo por isso o Gato Fedorento o denominador comum do grupo. Talvez o único. Em Janeiro de 2004 iniciaram o seu programa próprio na Sic Radical, depois de Ricardo e Diogo terem feito "sketches" regulares no programa "O Perfeito Anormal".

Aí, sim, o estilo do Gato Fedorento desenhou-se com precisão. "Foi naturalmente, aos poucos, sem dar-mos conta. Mas ao fim de uns 20 programas acho que já havia um 'estilo gato'. Isso deve existir porque, quando estamos a trabalhar, surgem por vezes piadas que achamos boas mas que claramente não são 'gato'. E usamo-las no Herman, ou noutro local", explica Zé Diogo. O "estilo gato" existe, e não é por acaso. Isto o que aconteceu foi muito simples, meu amigo. Com o programa "Gato Fedorento", um "subproduto" das Produções Fictícias teve pela primeira vez total autonomia criativa. Não estava subordinado a nada nem tinha objectivos nenhuns.

"Ninguém apostou 200 mil contos naquilo. Ninguém apostou nada naquilo", diz Ricardo. Quando deram conta, já eram conhecidos por todo o lado. Toda a gente repete o "falam, falam, falam, falam, mas eu não os vejo a fazer nada", mesmo que a Sic Radical se dirija a um nicho insignificante de audiências.

"O fenómeno talvez se explique com a Internet", diz Zé Diogo. "Há 'mails' a circular, com as piadas do 'Gato'". "É o boca-a-boca", explica Tiago. Mas não sabem ao certo. Também não sabem como é que os espectáculos no Tivoli, em Lisboa, sexta-feira, sábado e hoje, esgotaram em poucos dias. Nem sabem o que terá levado um banco como o Montepio Geral a querer o "sketch" do "Homem a quem aconteceu não sei o quê" para anunciar na televisão os seu crédito jovem à habitação.

Inclusivamente a malta diz: eh pá, e tal, sim senhor. Mas também não sabem definir o tal "estilo gato". Falam, falam, falam, falam, mas o "estilo gato", esse, permanece um mistério.

O que eles sabem: nunca repetem personagens. Cada figura que aparece diz o que tem a dizer e desaparece. Não surge noutro "sketch", com as mesmas características... Isto porque... Sabem? Ah, e tal. Ah, e tal, não. Ricardo diz que ficou traumatizado por ver, quando era miúdo, os programas de Argildo Ribeiro na televisão. Aquela figura que aparecia sempre a falar da Bruna Lombardi. A outra que dizia: "posso esclarecer? Esclarecerei!" Jurou secretamente que nunca faria aquilo. Prefere o "desafio criativo" de criar sempre novas personagens. Já Diogo explica que não repetem personagens porque, sendo tão maus actores, não conseguiriam construir personagens consistentes. Toda a gente perceberia. Em que é que ficamos? Ah, e tal, não. Dizer que as personagens se definem pelo que dizem e não por quaisquer tiques é muito bonito, mas então que dizem elas de tão marcante? Ah, e tal.

Também não repetem cenários. Isto é porque, no "Programa da Maria", cada vez que se organizava um cenário tinham de o fazer render ao máximo, encenando lá vários "sketches", explica Miguel. Ah, e tal, também ficaram traumatizados. Agora não querem quaisquer peias à criatividade. Eh, pá, e tal, sim senhor. Mas Zé Diogo lá vai dizendo que não têm dinheiro para cenários. Houve um período em que o único adereço que possuiam era um bigode. Geralmente até usam os escritórios da SIC para aqueles "sketches" passados em empresas. Pedem à senhora para sair uns minutos, e gravam a cena. Uma vez o Tiago até destruiu o teclado do computador de uma das senhoras... Em que é que ficamos?

O importante é a linguagem. É a matéria-prima do Gato Fedorento, dizem. Como são maus em tudo o resto, agarram-se ao texto. Criam cenas cómicas baseadas em situações observadas no dia-a-dia, é este o método. "Observadas" não é o termo, porque, como explica Miguel, a maior parte dessas situações acontece com os próprios elementos do Gato. Em interacção com outras pessoas ou mesmo nas conversas e peripécias entre eles. Eles são a principal fonte de inspiração de si próprios. É, portanto, uma "observação activa".

Neste sentido, os "sketches" não são histórias. Não têm a estrutura de uma anedota, em que se estabelecem premissas e há um clímax no final. Nos "sketches" do Gato não há clímax no final. Ou é logo no início, ou não chega a existir. A situação é tudo. Definida por um texto que muitas vezes é, pelo menos teoricamente, anti-televisivo. Chato, descritivo, demasiado técnico, oco. O final arrasta-se, ou surge quando menos se espera. Quintela chega a dizer que o objectivo é irritar o espectador. Os outros não concordam. Mas reconhecem que muitas vezes não sabem como acabar um "sketch". Deixam-no em banho-maria durante semanas, até surgir alguma ideia.

Também não estão de acordo quanto ao conteúdo social e político dos "sketches". De qualquer forma, se o público o quiser perceber, é lá com ele. "O meu primo tem um defeito na fala, isso pode ser visto como uma crítica ao sistema capitalista em geral", diz, com pouca convicção, Ricardo, que é comunista. Vê-se que, para ele, tudo tem de fazer um certo sentido político. Não aceitou imediatamente o convite para fazer o anúncio do Montepio. A Volkswagen e a PT tinham-lhe proposto antes usar o "sketch" em publicidade, vá lá perceber-se porquê. Ele recusou, mas o Montepio ofereceu uma quantia irrecusável. Ricardo releu o capital, investigou o passado sindicalista de alguns dirigentes do Montepio, estudou toda a jurisprudência de Woody Allen sobre o assunto. E aceitou. "Acho que foi Engels que disse: Se oferecerem a um operário uns milhares de contos pelo trabalho de um só dia, ele deve aceitar". Ah, e tal. Ah, e tal, não. Pois se o próprio Engels disse: "Eh pá, e tal, sim senhor!"

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